Alunos da Escola de Música Lilah Lisboa fantasiados
de "Fofão", personagem tradicional do Carnaval Maranhense
Quando chega o mês de agosto, muitos professores tiram os livros sobre
folclore da estante, pesquisam na internet e preparam algumas aulas sobre o tema
para apresentá-lo aos alunos. "Trabalhar o assunto apenas em agosto se tornou
uma tradição no ensino brasileiro", diz Alberto Ikeda, professor de Cultura
Popular e Etnomusicologia do Instituto de Artes da Universidade Estadual
Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), campus São Paulo. Esse é um primeiro
problema na abordagem do tema - mas nem de longe é o único. Outro equívoco é
resumir o folclore às lendas e cantigas de roda, algo raso e redutor.
Uma primeira providência essencial diz respeito à compreensão da noção de
folclore. Em sua origem inglesa, informa o dicionário Houaiss, a palavra
folclore significa o ato de ensinar (lore) um conjunto de costumes, lendas e
manifestações artísticas do povo (folk) preservados pela tradição oral. Essa
definição é um tanto redutora se levarmos em consideração o fato de que toda
manifestação cultural é influenciada pelo contexto de quem a produz e que esse
contexto, por sua vez, está em constante mudança. Sendo assim, o conceito de
folclore é muito mais dinâmico do que parece: envolve diversas vertentes da
cultura popular (música, dança, relatos orais etc.) e continua sendo produzido
até hoje. "É impossível abordar o assunto sem considerar os elementos que fazem
parte do cotidiano dos estudantes", afirma Teca Soub, coordenadora do Núcleo de
Alfabetização da Prefeitura de São Caetano, SP.
Ensinar ao aluno que os elementos de sua própria cultura fazem parte do
folclore brasileiro é um dos maiores desafios enfrentados por professores ao
tratar do tema. Quando chegam à escola, as crianças trazem com elas os elementos
culturais que estão mais próximo delas. Por isso, explicar a elas que essa
"cultura caseira" faz parte da noção de folclore funciona melhor do que
simplesmente apresentar lendas e mitos sem contextualizá-los. "Tal atitude faz
os alunos considerarem como folclore elementos que estão distantes deles, dos
quais não participam", explica Ikeda. "Isso pode provocar um desinteresse
geral".
Estimular os estudantes a pesquisar sobre suas próprias comunidades e
até mesmo hábitos familiares pode ser um ótimo ponto de partida para o ensino da
noção de folclore. "A criança só pode entender a diversidade se perceber que faz
parte disso", diz Ikeda. Uma forma eficiente de trazer essas questões para a
sala de aula é contar que o conjunto desses costumes determina os aspectos
culturais de um povo.
Tendo isso em mente, fica clara a inadequação de tratar o tema apenas em
agosto. Desenvolver projetos que trabalhem aspectos da cultura brasileira no
decorrer de todo o ano letivo é fundamental. "Em vez de abordar os elementos da
cultura apenas no mês de agosto por mera convenção, é mais coerente adaptar os
currículos das escolas de acordo com as manifestações culturais regionais", diz
Teca
A abordagem por etapas de ensino
Educação Infantil
Para aproximar o folclore
da realidade dos alunos na Educação Infantil, os educadores podem inserir nos
planos de aula brincadeiras e cantigas de roda (como ponto de partida e não como
abordagem exclusiva). Além de estimular o movimento, algo fundamental nessa
etária, elas ajudam as crianças a desenvolver a fala. Batucar e dançar ritmos
regionais, por exemplo, faz os pequenos entrarem em contato com manifestações
artísticas locais, que são expressões de sua cultura. "Começar com aquilo que o
aluno traz facilita o entendimento da diversidade cultural", diz Ikeda.
Ensino Fundamental 1
A partir do 1º ano, já
é possível contar com a ajuda dos alunos para levantar diversos elementos do
folclore, sem perder de vista que um ensino eficiente requer planejamento,
avaliação inicial e contínua e uma sequência lógica que leve à construção do
conhecimento. Não faz muito sentido para um aluno do Sudeste brasileiro, por
exemplo, entrar em contato com mitos e lendas da Amazônia se ele ainda não
conseguiu entender a noção de folclore. É com base no levantamento de exemplos
de situações mais próximas da realidade dos estudantes que o professor consegue
perceber quando eles estão prontos conhecer os aspectos que fazem parte da
cultura de outras regiões do país - que ele não pratica, mas que podem ser
melhor entendidos por meio dessa análise que parte dos elementos mais conhecidos
e segue para outros mais distantes. Para um aluno pernambucano, por exemplo,
entender as origens do carnaval de Olinda e aprender mais sobre os festejos
locais pode ajudar na identificação de diferenças e semelhanças na celebração da
festa no restante do Brasil.
Ensino Fundamental 2
Com a separação das
disciplinas nessa etapa de ensino, o folclore geralmente passa a ser tratado
apenas nas aulas de Arte. "As manifestações culturais são muito mais complexas e
envolvem outros aspectos que ultrapassam a noção de Arte", afirma Teca. "Por
isso, devem ser trabalhadas em várias disciplinas que compõem o currículo
regular das instituições de ensino". Para compreender o porquê a capoeira foi
incorporada à cultura brasileira é preciso ensinar aos alunos que o Brasil foi
um país escravocrata e que o jogo era praticado por negros africanos trazidos ao
Brasil para serem explorados. Muitos desses homens permaneceram aqui após sua
libertação, se espalharam pelas capitais do país e ensinaram aos brasileiros
como o esporte era praticado. Neste simples exemplo, temos quatro disciplinas
envolvidas: História, Geografia, Educação Física e Arte. A mesma regra vale para
a maioria dos conteúdos ensinados em sala de aula.
A mudança no ensino do folclore deve ser feita por meio de uma revisão no
currículo de cada escola. Para isso, professores e coordenação tem papel
importante: afinal, a escola tem uma função importante na legitimação das
representações culturais. Por isso, promover a aproximação junto a grupos de
teatro, música ou de dança que ficam no bairro em que a instituição está, por
exemplo, pode ajudar os alunos a se sentir sujeitos atuantes da cultura local.
"Professores e coordenadores pedagógicos precisam reconhecer os alunos como
participantes da cultura, que têm muito a contribuir para a construção da
aprendizagem", diz Teca.